PHaneron ou A Poetica do Olhar Despido
Partindo da idéia que a percepção de primeiridade é principalmente um 'feeling', distinto da vontade e do pensamento, Peirce indaga-se no trabalho de toda uma vida se estas percepções podem ser comunicadas e se podemos de algum modo, partilhá-las. E ele responde sim, apoiado numa espécie de confiança instintiva (CP1,314) e na evidencia dos poetas: em relação aos homens da ciência, entende que "os artistas são observadores mais sutis e acurados" e "nada é mais verdadeiro que a verdadeira poesia" (CP1,315).
Mas, poderíamos perguntar, em que consiste esta "observação mais sutil e acurada"? Ou melhor, em que consiste esta "verdadeira poesia"?
A resposta, Peirce encontra no próprio mundo dos fenômenos, caracterizado como indiferenciadamente interior e exterior, e na poética de um olhar despido de qualquer aparato teórico: "Esta é", diz (CP. 5, 42), "a faculdade do artista que vê, por exemplo, as cores aparentes da natureza como elas se apresentam".
Possivelmente, a mesma coisa que Bachelard quer dizer com "todo conhecimento da intimidade das coisas é imediatamente um poema"* ou que Fernando Pessoa busca para expressar (as coisas) : "Eu devia ve-las, apenas ve-las. Ve-las até não poder pensar nelas. Ve-las sem tempo nem espaço. Ver podendo dispensar tudo o que se vê. É esta a ciência de ver, que não é nenhuma" **.
Uma espécie de consciência que por ser o que é sem referencia a mais nada "está absolutamente no presente, na sua ruptura com o passado e o futuro", nos diz Ivo Ibri: requer, talvez, um aprender a desaprender uma certa forma de intoxicação mediativa que obscurece os aspectos primários da experiência.(***)
Poderíamos novamente perguntar, até com ironia: só isso? Peirce dirá que só isso não basta.
É necessário também "uma discriminação resoluta que se fixa como um bulldog sb um aspecto específico que estejamos estudando, seguindo-o onde quer que ele possa se esconder e detectando-o sob todos os seus disfarces". (CP. 5, 42)
E, finalmente, "o poder generalizador do matemático, que produz a fórmula abstrata que compreende a essência mesma da característica sob exame, purificada de todos os acessórios estranhos e irrelevantes" (CP. 5, 42)
*Bachelard, "A Terra e os devaneios do repouso".
**Fernando Pessoa, como Alberto Caieiro: "Poemas Inconjuntos" in O Guardador de Rebanhos XXIV
*** ver Ivo Ibri, Kósmos Noetós, pp 5, 6
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