Lógicas Dominantes e Outras Lógicas


Imagens de 
"L'oiseau Philosophique", de Jacqueline Duheme (1997) Paris: Seuil

Na aula passada falamos de lógicas dominantes e outras lógicas. Foi citada, por exemplo, a arquitetura dos mundos de Leibniz (Gottfried Wilhelm, 1646-1716), de quem Gilles Deleuze diz ser capaz da "mais demente criação de conceitos" em nome da ordem e, talvez porisso mesmo, ainda mais contemporaneo no mundo atual (aqui).
Em literatura, a idéia da pluralidade de mundos é retomada por Borges (Jorge Luis, 1899-1986). No conto "O Jardim de Caminhos que se Bifurcam" do livro "Ficciones" de 1941, ele nos coloca diante da problemática a partir do personagem Ts’ui Pen. Mas, ao contrário da categoria de incompossibilidade de Leibniz - em que a coexistência de mundos divergentes é impossível - Borges nos apresenta a possibilidade de pensar um mundo onde os pontos de bifurcação sejam inclusivos. Essa é a idéia que está na raiz das narrativas multilineares.
A idéia não é recente. Basta pensar no I-Ching (sec III aC) não como oráculo, mas como obra aberta, para perceber a arqueologia que inclui (aqui). Ou ainda, lembrar que o índice, os tópicos, a fragmentação do livro em capítulos marcados por subtítulos, prólogos, linhas de apoio, sumários, dedicatórias, notas de rodapé, citações, recursos que Cervantes por exemplo explora em Don Quixote no século XVI (aqui), já remetem a uma leitura não-linear dos textos - ou multilinear como prefere o professor Marcos Palácios (UFBA), uma vez que cada leitor a cada nova leitura estabelece uma sequencia própria. Atualmente, o blog de Palacios está sendo utilizado para discussão de ferramentas de pesquisa do Convênio CAPES/DGU Brasil-Espanha.
Voltando à obra de Borges, vale lembrar que ela é transpassada pela figura do labirinto, usada por Lúcia Leão como metáfora da construção e da leitura em hipertexto.
Várias obras escritas de forma multilinear são hoje consideradas precursoras do hipertexto, ou melhor, "sobrevivem como realidade inscrita no presente" do hipertexto, como nos diz Julio Plaza das "aberturas dialógicas" da arte [1]. Entre elas, "O Jogo da Amarelinha" de Julio Cortazar (Rayuela, 1966, introdução aqui, comentário aqui), cujo capítulo 62 continua em outra obra, o "62 Modelo para armar", de 1968, aqui.
Vale lembrar também " Se uma Noite de Inverno um Viajante" de Italo Calvino (Se una notte d'inverno un viaggiatore, 1981, primeiro capítulo aqui), que remete a "The Life & Opinions of Tristram Shandy, Gentleman", de Laurence Sterne - obra de 1759 aqui e aqui, percebida por Alastair Fowler na pós-modernidade como uma forma de poioumenon.
E também o "Dicionário Kazar" (Hazarski Recnik - Roman leksikon, 1984) de Milorad Pavić (*1929), um romance-enciclopédia que conta a saga do povo kazar em 1000000 palavras e duas edições, uma masculina e outra feminina: segundo uma antiga lenda os que ousam ler morrem fulminados (ver sem medo aqui e aqui); o "Cent Mille Milliards de Poémes" um livro de poesia combinatória publicado em 1961 por Raymond Queneau (1903-1976), versão interativa aqui, tradução completa em ingles aqui, e "Composition numéro 1" de Marc Saporta publicado em 1962 - uma espécie de livro-baralho, em que o leitor escolhe quando encerrar a leitura e, em conseqüência, a história. Comentários de Jean Clément aqui, notas de Nick Montfort aqui e fotos aqui.

[1] ver Plaza, Julio (1987) "Tradução Intersemiótica", São Paulo:Perspectiva, p 2

Comentários

  1. Norma

    que maravilha! parabéns pela pesquisa e muito obrigada por compartilhá-la conosco
    abrs

    LL

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